A Pré- História - Como Surgiram As Roupas?
O que é Pré-história?
É importante frisar que, durante a Pré-história, diversas espécies de hominídeos coexistiam, muitas vezes competindo entre si.
A Pintura Rupestre é um símbolo da Pré-história. Embora não existam explicações únicas para seus significados, ela revela que nossos ancestrais tinham noções de arte e gostavam de se expressar por meio dela
Por que Nós Nos Vestimos?
E como eram essas roupas pré-históricas?
Roupas Complexas
O desenvolvimento da agricultura teve efeitos diretos sobre o vestuário. O homem passou a domesticar animais e a dominar plantações, o que levou ao surgimento das primeiras fibras naturais, tanto de origem animal quanto vegetal. Há registros do uso dessas fibras na confecção de roupas, cordões e cestos. [3]
As Mãos de Gargas
O vestuário na Pré-história continua sendo um grande mistério, e os estudos recentes devem ser lidos com cuidado para uma melhor compreensão dessa época.
Estes últimos vão além do isolamento térmico e incluem os efeitos perceptivos, psicológicos e psicossociais da cobertura rotineira da pele, nosso maior órgão sensorial [...]
A sensação tátil, por exemplo, é crucial para o desenvolvimento normal dos mamíferos, e o uso rotineiro de roupas inibe os contatos táteis entre os seres humanos e reduz a apreciação sensorial do ambiente, com o potencial de alterar relações interpessoais, sociais e ambientais fundamentais.
A Pré-história abrange o período que vai desde o aparecimento dos primeiros hominídeos na Terra até aproximadamente 3.000/3.500 a.C., quando surgem os primeiros registros de escrita.
A escrita é, portanto, um fator fundamental para o desenvolvimento das civilizações. Esse período é geralmente dividido em quatro fases: Paleolítico (Idade da Pedra Antiga/Lascada), Mesolítico (não presente em todas as regiões), Neolítico (Idade da Pedra Nova/Polida) e Idade dos Metais.
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Representação do homem pré-histórico. Foto: Reprodução. |
É importante frisar que, durante a Pré-história, diversas espécies de hominídeos coexistiam, muitas vezes competindo entre si.
Uma das teorias sustentadas por alguns estudiosos é que nossa espécie, o Homo sapiens, teria levado ao genocídio alguns grupos de hominídeos, permitindo que nos estabelecêssemos no topo da cadeia evolutiva.
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Representação da Era Glacial. Foto: Reprodução. |
As mudanças climáticas foram um fator fundamental no desenvolvimento da cultura e do vestuário. Boa parte da Pré-história foi marcada pelas Eras Glaciais, fazendo com que nossos ancestrais precisassem constantemente fugir das baixíssimas temperaturas.
Uma das alternativas encontradas foi se abrigar em cavernas. Nesse período, isolados do frio extremo e de animais perigosos, as cavernas se tornaram tanto lares quanto locais onde os primeiros homens registraram suas manifestações artísticas.
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Uma das muitas pinturas na caverna de Lascaux, França. |
A Pintura Rupestre é um símbolo da Pré-história. Embora não existam explicações únicas para seus significados, ela revela que nossos ancestrais tinham noções de arte e gostavam de se expressar por meio dela
Por que Nós Nos Vestimos?
Pensar nessa pergunta é também refletir sobre a origem do vestuário. Vamos responder a indagação por partes:
1. A principal razão para o surgimento das vestimentas foi a própria evolução, que fez com que os primeiros homens perdessem pelos relativamente cedo.
Você pode se perguntar: "Se os pelos eram proteção, por que a evolução foi tão cruel ao nos tirar isso?"
Se pensarmos do ponto de vista da proteção, a perda dos pelos pode parecer um grande entrave. No entanto, os pelos não estavam sozinhos; uma superfície muito peluda aumentava a incidência de piolhos e outros parasitas, que, a longo prazo, poderiam causar complicações para a saúde dos primeiros homens.
É claro que essa é apenas uma das hipóteses para explicar a redução da pelagem em nossos ancestrais.
O fato é que, sem proteção natural e com o risco de morrer de hipotermia, os homens pré-históricos precisaram desenvolver estratégias para solucionar essa questão.
E como eram essas roupas pré-históricas?
Vou usar como base para nosso estudo o artigo do PhD em Arqueologia pela Universidade de Sidney, Ian Gilligan — possivelmente o maior nome da atualidade no estudo do vestuário na Pré-história.
De acordo com ele, as roupas pré-históricas podem ser divididas entre simples e complexas. Veja abaixo uma tabela com as principais diferenças.[1]
Roupas Simples:
- Equipada: Não.
- Número de camadas: Uma.
- Proteção contra o frio: Fraca.
- Raspagem: Sim.
- Instrumentos de Perfuração: Geralmente não.
- Instrumentos de Corte: Não.
- Durabilidade no Frio: Não.
- Função Decorativa: Não.
- Função Social: Não.
- Promovia modéstia/vergonha: Não.
Complexas:
- Equipada: Sim.
- Número de Camadas: Mais de uma.
- Proteção contra o frio: Excelente.
- Raspagem: Sim
- Instrumentos de Perfuração: Sim.
- Instrumentos de Corte: Sim.
- Durabilidade no Frio: Sim.
- Função Decorativa: Sim
- Função Social: Sim
- Promovia modéstia/vergonha: Sim.
- Torno-se Habitual: Sim.
As roupas no Paleolítico eram feitas de couro e peles de animais. Nossos ancestrais utilizavam os animais em todos os seus aspectos: se alimentavam da carne, usavam a pele para confeccionar roupas, e os ossos se tornavam instrumentos.
A raspagem era uma prática comum tanto no vestuário simples quanto no complexo, já que as peles e o couro eram extremamente pesados e difíceis de serem manuseados sem um tratamento prévio.
No livro A Roupa e A Moda (1969), o historiador James Laver menciona que, na Pré-história, inicialmente era empregada a técnica de moer as peles para torná-las mais macias. No entanto, isso nem sempre era suficiente, e posteriormente o ácido tânico, obtido do carvalho, e o óleo de baleia se mostraram mais eficientes na tarefa de dar maleabilidade aos materiais.
Roupas Simples
O vestuário simples não apresentava durabilidade em baixas temperaturas, e a proteção contra o frio não era efetiva. Além disso, havia outro problema: a falta de modelagem anatômica.
A ausência de um formato adequado fazia com que as roupas simples se tornassem um empecilho para a locomoção.
Como, nessa época, os primeiros homens não tinham moradia fixa, carregar algo pesado durante os deslocamentos era inviável. Foi nesse contexto que surgiram as roupas complexas.
Roupas Complexas
O vestuário complexo, ainda que de modo rudimentar, apresentava um formato mais ajustado ao corpo.
Eram roupas feitas sob medida, que ficavam mais próximas à pele, gerando, consequentemente, mais calor. Por serem melhores e mais resistentes, tornaram-se preferidas.
À medida que essas roupas se tornaram comuns, ganharam também funções sociais, ou seja, passaram a ser um modo de distinguir as tribos e seus líderes.
O ramo da Psicologia que investiga a origem das roupas afirma que, conforme o ato de se vestir se tornou habitual, os homens associaram as roupas à ideia de segurança e proteção. Assim, estar nu passou a ser visto como um risco à vida, seja pela exposição ao frio ou pelas ameaças de forças sobrenaturais.
Revolução Neolítica
A respeito da Revolução Neolítica, o historiador e professor emérito da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), José Jobson de Andrade Arruda, diz:
"Novas modificações climáticas alteraram a vegetação na face da Terra. O gelo recuou e, junto com ele, a fauna que o acompanhara, bem como os grandes animais em geral. A Europa central e do norte, tornou-se temperada; o norte da África ficou ressequido e a Região do Saara se transformou num deserto.
Nessas regiões desérticas e semidessérticas, homens e animais tiveram que procurar as margens dos rios. Ao mesmo tempo em que a população crescia, aumentava as dificuldades para caçar. Esses fatos contribuíram para a sedentarização do homem e para o desenvolvimento da agricultura, com o plantio de trigo, cevada e aveia". [2]
Nessas regiões desérticas e semidessérticas, homens e animais tiveram que procurar as margens dos rios. Ao mesmo tempo em que a população crescia, aumentava as dificuldades para caçar. Esses fatos contribuíram para a sedentarização do homem e para o desenvolvimento da agricultura, com o plantio de trigo, cevada e aveia". [2]
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Pedaço de roupa da Idade do Bronze. Reprodução: Museu de História Natural, Viena. |
Ornamentação na Pré-história
Como mencionado anteriormente, com o passar do tempo, o vestuário adquiriu funções decorativas e sociais. Algumas escavações revelaram a presença de ornamentos junto às ossadas, geralmente feitos de conchas e dentes.
Acredita-se que as miçangas mais antigas da história (conchas perfuradas) foram encontradas em Israel (datadas de aproximadamente 100.000 anos a.C.) e na Argélia (entre 90.000 e 70.000 anos a.C.).
O fato de as ossadas apresentarem esses resquícios abre margem para duas grandes possibilidades: ou esses ornamentos eram enterrados junto aos mortos por motivos supersticiosos, ou estavam presos às vestimentas.
Os botões, por sua vez, que parecem tão modernos, teriam surgido ainda na Pré-história.
Uma representação humana vestindo algo que parece conter uma fileira de botões foi encontrada em Montastruc, na França, e data do período Magdaleniano. [4]
As Mãos de Gargas
Mãos e pés também precisavam de proteção, e o curioso caso das Mãos de Gargas pode indicar o uso de luvas na Pré-história.
Estênceis de mãos encontrados na caverna de Cosquer, na França, levantaram questões sobre a origem das luvas.
A maior parte das mãos nas cavernas apresenta um ou mais dedos faltando, sendo o polegar o único presente em todas as mãos. A falta dos dedos pode ser explicada por quatro hipóteses:
1. Os dedos sofreram queimaduras de gelo e, por isso, deveriam ser amputados.
2. Algumas doenças ocasionaram a amputação dos dedos.
3. Os homens pré-históricos usavam luvas que não cobriam todos os dedos, e a padronização delas poderia indicar algum tipo de codificação de linguagem.
4. Ao pintar nas cavernas, alguns homens pré-históricos simplesmente não passavam o pigmento em toda a palma da mão.
Ian Gilligan termina seu artigo com algumas reflexões interessantes sobre a escassez de materiais referentes às roupas pré-históricas:
"Como sinal de nossa distinção moderna, as roupas foram amplamente ignoradas na disciplina da pré-história. Entre as razões para essa negligência estão a baixa visibilidade arqueológica e a dissociação de roupas complexas de suas origens térmicas, compostas por uma ênfase tradicional nos propósitos sociais da roupa em detrimento de suas funções e efeitos fisiológicos.
Estes últimos vão além do isolamento térmico e incluem os efeitos perceptivos, psicológicos e psicossociais da cobertura rotineira da pele, nosso maior órgão sensorial [...]
A sensação tátil, por exemplo, é crucial para o desenvolvimento normal dos mamíferos, e o uso rotineiro de roupas inibe os contatos táteis entre os seres humanos e reduz a apreciação sensorial do ambiente, com o potencial de alterar relações interpessoais, sociais e ambientais fundamentais.
Isso tem implicações para o desenvolvimento de estilos cognitivos alterados subjacentes a certos elementos da modernidade comportamental que subsequentemente podem ser transmitidos em nível cultural, quase independentemente da roupa [...]
A produção de fibras naturais para roupas têxteis foi um aspecto proeminente da agricultura precoce e pode constituir uma base viável por si só para essa transição econômica que se mostrou crucial para o surgimento das sociedades urbanas.
Por mais arqueologicamente invisível que possa parecer, a roupa é sem dúvida de grande importância para questões-chave da pré-história humana.
O foco neste artigo foi restrito a delinear um modelo térmico para suas origens pré-históricas e para o surgimento subsequente de roupas complexas.
A produção de fibras naturais para roupas têxteis foi um aspecto proeminente da agricultura precoce e pode constituir uma base viável por si só para essa transição econômica que se mostrou crucial para o surgimento das sociedades urbanas.
Por mais arqueologicamente invisível que possa parecer, a roupa é sem dúvida de grande importância para questões-chave da pré-história humana.
O foco neste artigo foi restrito a delinear um modelo térmico para suas origens pré-históricas e para o surgimento subsequente de roupas complexas.
Parâmetros térmicos - fisiológicos e ambientais - fornecem um meio para inferir a presença de roupas, e considerações tecnológicas fornecem um método para rastrear arqueologicamente seu desenvolvimento.
Os correlatos tecnológicos são previsíveis e visíveis e chamam a atenção para o contexto ambiental das principais tendências paleolíticas, muitas das quais podem estar relacionadas principalmente a inovações em roupas".
Os correlatos tecnológicos são previsíveis e visíveis e chamam a atenção para o contexto ambiental das principais tendências paleolíticas, muitas das quais podem estar relacionadas principalmente a inovações em roupas".
Texto escrito por Gabriela Lira. Caso use algum material do blog como referência, por favor dê os créditos. Plágio é crime e pode gerar processos.
Para referenciar use:
LIRA, Gabriela. A Pré-história - Como Surgiram As Roupas? História da Moda. Disponível em:
https://www.historiadamoda.com/2020/01/historia-da-moda-pre-historia.html
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Fontes:
[1] The Prehistorical Development Of Clothing: Archaelogical Implications Of a Thermal Model (2010), Ian Gilligan, pág. 24.
[2] História Antiga e Medieval (1994), José Jobson de Andrade Arruda, pág. 35
[3] The Prehistorical Development Of Clothing: Archaelogical Implications Of a Thermal Model (2010), Ian Gilligan, páginas 46 e 47.
[4] The Prehistorical Development Of Clothing: Archaelogical Implications Of a Thermal Model (2010), Ian Gilligan, páginas 53 e 54.
5 comentários:
Adorei seu artigo! Muito bem explicado! Obrigada!
Muito obrigada. Feliz que gostou. <3 <33
Eu estou simplesmente apaixonada na sua escrita e dedicação! Muito obrigada!!!
Me sinto lisonjeada ❤️
que legal saber que tem alguém que se dedica a estudar a história da moda tão profundamente aqui no br!!! nunca tinha visto!!! obrigada pelo esforço e trabalho incrível!!! estarei acompanhandooooo <3333333
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