Moda nos Anos 40 - O New Look de Christian Dior (1947) A Silhueta que Revolucionou a História
O ano era 1947 e a casa Dior, em um desfile antológico, apresentou ao mundo, uma das coleções que transformariam para sempre os rumos da História da Moda. Era o New Look que nascia, a silhueta da nova mulher.
Os Antecedentes do New Look
Antes de definirmos o que foi o New Look, precisamos fazer uma retrospectiva acerca do vestuário na primeira metade da década de 40. É impossível falar dessa época sem mencionar os impactos decorrentes da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Os conflitos concentrados sobretudo na Europa, trouxeram como consequência imediata o racionamento de tecidos e aviamentos, e novos parâmetros para a produção de roupas.
Os anos de guerra, chamados também de anos de austeridade, foram marcados por peças com bainhas encurtadas, silhueta em forma da letra Y e cores sóbrias. A Grã-Bretanha, principal expoente do estilo militar, criou uma série de regras que norteavam como as roupas deveriam ser fabricadas, essas roupas ficaram conhecidas como vestuário utilitário (para ler mais sobre esse tema, clique aqui).
As peças do vestuário utilitário receberam uma etiqueta marcada CC41, que significava Controlled Commodity, em português, Mercadoria Controlada, o número fazia referência ao ano em que o projeto foi posto em prática, 1941.
A Silhueta da Segunda Guerra Mundial.
A silhueta da guerra tinha como características principais os ombros largos, realçados por ombreiras e mangas estruturadas, vestidos com comprimento na altura dos joelhos, conhecidos como shirtwaist dresses e cintura ajustada. As pregas, botões e aviamentos eram contados e deveriam ter uma função na peça. Isso fez com que elementos puramente decorativos fossem excluídos e terminantemente proibidos.
"Para aproveitar ao máximo o pouco que havia disponível, as medidas de austeridade - que estabeleciam regras estritas a todos os fabricantes de roupas - tentaram racionalizar os estoques, criando peças padronizadas. Foram lançadas instruções sobre a quantidade de tecido permitida para cada tipo de peça para todos os fabricantes, e seu não cumprimento resultava em redução ou mesmo na interrupção de alocação de materiais". [1]
A mulher européia no entanto, estava acostumada ao luxo e extravagância das casas de alta costura francesa. Era Paris que ditava a moda e as tendências do mundo. Abandonar os babados, bordados, broches e cores mais alegres, evidentemente não foi uma tarefa fácil, porém necessária.
"Os dois sistemas ajudaram muito a diminuir a pressão sobre o governo, mas no verão de 1942, tanto o sistema utilitário quanto as medidas de austeridade não eram suficientes para manter a população de roupa nova, e, em vez de lançar cotas de cupons mais altas (que não poderiam ser transformados em novos bens), a Junta Comercial lançou a campanha 'Mend and make-do to avoid buying New [ Remendar e improvisar para não comprar']. Ela enfatizava que mulheres que improvizavam com roupas velhas estavam contribuindo para um pedaço de avião, uma arma, um navio de guerra ou um tanque.
Referir-se ao orgulho nacional ou, mais ainda, associar culpa ao consumo mostrava quão desesperadora estava a situação. Mas as mulheres britânicas não responderam de forma positiva: muitas já remendavam o melhor que podiam, e essa última campanha foi a gota d'água para transbordar o copo. A Mass Observation, organização responsável por sondar a opinião pública sobre assuntos relacionados à guerra, notou um descontentamento generalizado". [2]
Produção de Moda Francesa Durante a Segunda Guerra
Aos finais da guerra, o mundo ficou espantado com a produção de Paris.Enquanto vários países vizinhos economizavam tecidos e passavam por apertos, os estilistas franceses usavam metros e mais metros em suas saias e vestidos. A reação à nova moda foi diversa, a Inglaterra rejeitou, por julgar que os desperdícios não eram convenientes ao país que precisava se restruturar economicamente. As americanas por outro lado, receberam o New Look de braços abertos, embora alguns jornalistas estadunidenses tivessem tecido observações um tanto ácidas acerca da opulência francesa durante os conflitos armados.
"A imprensa estrangeira condenou as primeiras coleções após a liberação, tanto por desprezo quanto por julgamento artístico. De fato, as coleções de 1945 e 1946 motivaram poucos compradores internacionais a retornarem à Paris. A cidade tentou apaziguar o mundo e espantar a mácua sobre sua reputação, ao suavizar a extravagância para alinhar-se com as tendências mais discretas de Nova Iorque e Londres". [3]
Em 1944, Lucien Lelong, presidente do Sindicato da Alta Costura Francesa, concedeu uma entrevista à revista Vogue, onde tentou explicar os exageros de Paris e atenuar as críticas recebidas:
"Acabo de receber exemplares das restrições de roupas inglesas e americanas, e agora entendo porque certos jornalistas achavam as coleções de Paris exageradas. No entanto, devo explicar que meus colegas e eu eliminamos muitos modelos preparados antes da libertação, substituindo-os por simples ternos e casacos que consideramos mais adequados às circunstâncias decorrentes da reentrada oficial de Paris na guerra ao lado dos Aliados". [4]
Christian Dior, O Homem por trás do New Look
O responsável pelo New Look foi Christian Dior, nascido em 21 de maio de 1905, seu pai desejava que ele fosse um diplomata, contudo, sua habilidade genuína para desenhar roupas, o levaram para o mundo da moda. Em 1947, Christian estreou sua primeira coleção com a mansão Dior e obteve sucesso imediato. Ele foi patrocinado por um empresário da indústria têxtil, Marcel Boussac, e assim, conseguiu criar trajes que gastavam uma quantidade exorbitante de tecidos.
Dior apreciava a antiga feminilidade, e seu projeto era retomar o que a Guerra havia interrompido. O New Look se tornou portanto o divisor de águas entre as roupas utilitárias e a moda do futuro. E foi no desfile da coleção Ligne Corolle, na cidade de Paris, no dia 12 de fevereiro de 47, que Dior mostrou ao mundo a nova estética feminina.
Acerca da coleção de Dior, em março do mesmo ano de sua estréia, a revista Vogue escreveu:
"A casa mais nova é Christian Dior, sua inauguração, uma sensação parisiense. Sua nova silhueta - a forma feminina marcada, um roubo direcionado de saias pesadamente acolchoadas e reforçadas com lona". [5]
E em abril escreveu uma matéria completíssima sobre o impacto da nova silhueta, a qual deixo abaixo traduzida com alguns trechos importantes:
"Alguém pode ter esquecido, mas apenas por um momento, que um visual aparentemente novo e certamente adorável estava evoluindo em todas as roupas da Primavera de Paris. Evoluindo dos exageros e hesitações de outras coleções, e evoluindo apesar do corte da eletricidade, apesar de um frio que enrijeceu os dedos e congelou tudo, menos ideias.
Em linha, este visual foi de uma feminilidade não forçada - uma polida continuação da linha arredondada que foi vista em Paris desde as primeiras coleções pós-Liberação. Mas em detalhes, a silhueta é tratada com delicadeza para que não haja efeito de peso por um lado, ou de constrição por outro". [6]
A Vogue reconheceu a beleza e o impacto que Dior jogara na alta costura, mas nos lembrava que embora parecesse novo, a silhueta apresentada era apenas uma continuação melhorada de algo que havia sido delimitado anos atrás, e por outros estilistas.
Essa mesma observação é feita no livro Fashions in The 1940s (2014) de Jayne Shrimpton:
"O New Look estava longe de ser novo, pois a ‘linha corolle’ - como foi chamada pela primeira vez - foi fortemente influenciada pela moda feminina de meados da década de 1910 e também pela crinolina de meados do século XIX. A silhueta tinha sido introduzido pela primeira vez em 1938/39, antes do início da guerra, especialmente para vestidos de noite, e continuou a evoluir na França ocupada pelos nazistas nas mãos de costureiros franceses. Portanto, Dior não inventou uma nova moda como tal, mas desenvolveu temas existentes,
transformando habilmente um ostentoso
estilo noturno em novos e ousados trajes de dia e tarde que ultrapassaram qualquer coisa vista na Grã-Bretanha por vários
anos". [7]
O termo New Look foi usado pela primeira vez pela editora da revista Harper's Baazar, Carmel Snow, que disse: "This changes everything. It's quite a revelation, dear Christian, you dresses have such a new look", em português, "Isso muda tudo. É uma grande revelação, querido Christian, seus vestidos tem um visual novo".
Bar Suit - O Destaque na Coleção Corolle
A coleção Corelle brindou os espectadores com peças extremamente interessantes, no entanto duas seriam imortalizadas: o tailleur marfim e a saia preta pregueada, conhecidos juntos como Bar Suit. Esse modelo definia todo o ideal de Christian Dior em relação ao modo como ele desejava e imaginava que as mulheres se vestiriam dali pra frente.
O terninho de seda shantung (bar jacket), escupia o corpo feminino. Por dentro, enchimentos de algodão que desenhavam os ombros redondos, o quadril e a cintura marcadísdima, afinada pelo uso de corpete no vestuário de baixo. A saia, por sua vez, era bastante ampla, aos moldes do século 19. Luvas pretas e chapéu completavam o visual.
As Releituras da Bar Jacket ao Longo das Décadas
Essa criação de Christian Dior se tornou seu emblema na História da Moda e ganhou diversas releituras entre os diretores criativos subsequentes que assumiram a marca, cada qual à sua maneira. Separei algumas versões que merecem ser relembradas.
• Marc Bohan - Primavera/Verão Alta Costura (1987)
No ano de 87, Bohan trouxe uma releitura que mais poderia ser considerada uma reconstrução do original de 1947, tamanha a semelhança, no entanto as diferenças existem. Primeiro que a gola da primeira jaqueta não possuía nenhum tipo de recorte, diferente dessa versão. A saia dos anos 40 era mais volumosa e os punhos sem nenhum tipo de abertura.
Marc colocou em sua reinterpretação da peça dois botões em cada punho, detalhe que pode passar despercebido. Ele igualmente modificou o sapato escuro por um de cor bege, e acrescentou acessórios que remetem ao universo romântico da Dior, tais como o colar de pérolas e o buquê. E a mudança mais evidente, sem dúvidas, foi o chapéu, que na versão primária era preto e de aba larga e foi substituído por um modelo em formato de cogumelo, típico dos anos 50.
Essa versão é extremamente parecida com uma outra versão feita pela Dior em 1957, e que erroneamente é utilizada para se falar do Bar Suit original. Vou deixar a foto dos modelos de 57 e 87 para que vocês possam reparar melhor nos detalhes.
• Gianfranco Ferré - Outono/Inverno Alta Costura (1989)
O italiano Ferré, nos finais da década de 80, em seu primeiro ano de Dior, usou e abusou da estética construída por Christian. A coleção outono e inverno de alta costura apresentou muitos vestidos e ternos cinzas, entre eles uma releitura moderna da Bar Jacket. Nessa versão, a cintura foi extremamente marcada e possuía um cinto. O volume se concentrava nas regiões do busto e quadril, e a peça formava uma espécie de peplum.
• John Galliano - Primavera/ Verão Alta Costura (2009)
Galliano foi talvez o diretor criativo que mais desmontou o estilo de Christian Dior e o montou novamente ao seu modo, sempre com bastante exageros e sem se esquecer de seu próprio DNA. Na coleção de alta costura, primavera/verão do ano de 2009, John fez uma versão bastante ousada do Bar Suit de 47. A saia foi encurtada e levou por baixo uma espécie de crinolina. A cor da jaqueta foi mantida e o número de botões reduzido, embora apareçam maiores nessa versão de Galliano. A gola foi maximizada e apareceu em 3D. O chapéu preto se tornou ainda maior, e o sapato, antes fechado, foi representado por um modelo de salto alto, despojado e com tiras.
• Raf Simons - Outono/Inverno Alta Costura (2012)
Sucessor de John Galliano, a passagem de Raf Simons pela Dior foi curta, se comparada com os diretores que o antecederam. Na coleção outono/inverno de 2012, também fez sua versão da Bar Jacket. Seu modelo foi na cor preta e contou com algumas modificações bem perceptíveis, por exemplo: o acréscimo de bolsos nas laterais, a gola muito maior e a presença de tão somente um botão. A modelo usou uma calça e uma não saia.
• Maria Grazia Chiuri - Primavera/Verão Alta Costura (2017)
Primeira mulher a assumir a direção criativa da casa Dior, Maria Grazia possui um estilo romântico e permeado de leveza. Em 2017, setenta anos após o surgimento do New Look, também apresentou sua interpretação do icônico visual. Em sua versão, a saia se tornou longa e foi confeccionada em tecido transparente. O peplum na Bar Jacket apareceu com extrema delicadeza.
Afinal, O que Significa Corolle?
Em português, a palavra carolle pode ser traduzida como corola. Mas o que seria uma corola? A corola é o conjunto das pétalas de uma flor, logo, ela tem um formato arredondado (geralmente), o que casa perfeitamente com a ideia de Dior, que desenvolveu muitos modelos de saias armadas e circulares.
E o restante da Coleção Ligne Corolle?
Muito se fala do Bar Suit, mas outras produções de Dior nesse desfile merecem ser cuidadosamente observadas, pois também foram importantes para a nova silhueta vigente que se estenderia até os anos 50.
• Vestido Chérie
O vestido Chérie representa muito bem o universo New Look: ombros arredondados, cintura estreita e saia ampla, também plissada. Consegui encontrar uma foto da peça em uma edição da Vogue, que diz se tratar de um traje de tafetá feito para ser usado à noite. Hoje a peça se encontra no Metropolitan Museum Of Art, em Nova Iorque.
• Vestido em camadas
Outra peça curiosa é um vestido em camadas que forma duas espécies de leques. Nas fotografias em preto e branco parece ser um modelo de cor neutra, mas uma ilustração de Pierre Mourgue apresenta a criação na totalidade púrpura, e no livro Girl in Dior, foi representado como sendo em coloração azul acinzentado.
Como as mulheres usaram o New Look na Época?
O New Look definitivamente não era um estilo feito para a população pobre. A riqueza de seus tecidos e técnicas artesanais, encareciam as roupas, que pareciam muito distantes do que uma mulher comum poderia adquirir. Não demorou muito para lojas do setor popular fizessem suas próprias versões, e por preços mais acessíveis.
"Revistas divulgaram a nova linha, sugerindo formas de adaptação de peças existentes, por exemplo: adicionar inserções de material ou camadas de tecido extra nas bainhas dos vestidos ou aumentar casacos, ajustados com
faixas de corte de pele. Fabricantes de pronto-a-vestir desrespeitaram decretos governamentais, escassez de materiais
e racionamento criando cópias do New Look, algumas roupas sendo imitações precisas dos modelos de Paris, enquanto outros pareciam híbridos, mantendo os familiares ombros quadrados, mas apresentando uma cintura estreita e uma saia mais longa e cheia.
Em 1949, a maioria das lojas vendiam versões do New Look e as mulheres podiam até copiar a silhueta em casa, usando padrões de vestido recortados e prontos para costurar. Embora suas palavras possam soar paternalistas aos ouvidos modernos, Dior entendeu que: 'Para fazer uma mulher se sentir melhor, você deve fazê-la sentir-se bonita' .Para muitos, o New Look fez exatamente isso e passou a se tornar a silhueta predominante na década de 1950". [8]
O New Look nos Dias Atuais
• Elle Fanning - Cannes 2019
A atriz Elle Fanning, conhecida por ter interpretado a Princesa Aurora em Malévola (2014 e 2019), usou um visual inspirado no New Look para comparecer à Cannes. A saia se tornou mais leve e esvoaçante, e a encorpada jaqueta foi substituída por uma blusa transparente e com mangas bufantes. A peça apresentou também um laço grande na região da gola. Elle fechou o visual com um chapéu inspirado no Bar Suit de 57 e bracelete nos dois braços.
• Outlander - Segunda Temporada
A personagem Claire no quinto episódio da segunda temporada de Outlander (2016), aparaceu com o New Look em uma versão século 18. Essa é com certeza uma das releituras mais interessantes até o momento. Para quem nunca assistiu a série, Outlander é sobre uma personagem do pós-guerra que volta no tempo, precisamente para 1743. Nessa versão, a silhueta de Dior é transformada em um robe a là française, um dos trajes típicos da época.
Para Saber Mais Sobre O New Look
Para finalizar, deixo um vídeo feito pelo canal do Victoria and Albert Museum, que possui uma invejável coleção de roupas em que seu acervo, incluindo peças da Dior. Nesse vídeo, uma das responsáveis pelo departamento têxtil do museu mostrou detalhes do Bar Suit. Ela mostrou as peças por dentro e explicou detalhes da confecção pensados por Christian Dior. Podemos ver os enchimentos de algodão, a delicadeza das pregas nas saias e outras minúcias preciosas.
Caso use o texto como referência, por favor dê os créditos ao blog. Plágio é crime e está sujeito à pena!
Quer que eu escreva pra você? Mande um e-mail para missblondevenus@gmail.com ou entre em contato através do Instagram @blondevennus.
Informações do curso aqui.
Fontes citadas e consultadas:
[1], [2] e [3]: A Moda na Década de 1940, edição de 2014, Publifolha - Charlotte Fiell e Emanuelle Direx.
[4] Lelong Speaks for Paris Couture - Revista Vogue, 15 de novembro de 1944.
[5] First Impressions Of Paris Collections - Revista Vogue, 15 de março de 1947.
[6] Paris Collections - Revista Vogue, 1 de abril de 1947.
[7] Fashions in The 1940s (2014), Shire Publications - Jayne Shrimpton
[8] Fashions Of a Decade: The 1940s (1992), Facts on File - Patricia Baker
Austerity Fashions: 1945-1951- Rebuilding Fashion Cultures in Post-War London (2017), Royal Holloway, University Of London - Bethan Bide (tese de doutorado)
Girl in Dior (2025), Nantier Beall Minoustchine Publishing - Annie Goetzinger
Nenhum comentário:
Postar um comentário