Comparando Fantasias de Época com A Realidade
Todo Halloween ou Carnaval vem acompanhado por um grande furor que inquieta as pessoas: "Qual fantasia devo usar?" Entre fadas e bruxas, vampiras e princesas, há espaço também para fantasias históricas, isto é, inspiradas em povos ou personalidades do passado. O problema surge quando essas fantasias não traduzem de modo correto o visual pretendido. Hoje, vamos fazer uma comparação entre os trajes originais, fantasias e recriações históricas.
Foto: Reprodução. Na direita, Kim Kardashian.
Mas antes de mais nada, precisamos definir o que é cada coisa, para assim poder diferenciá-las.
O Que São Trajes Originais?
O traje original é a peça real, ela pode ser vintage ou histórica. Peças assim costumam estar presentes em museus ou acervos dedicados à conservação de têxteis. Caso seja vintage, é muito comum ser comprada por colecionadores ou estar em brechós. Quanto mais antiga a peça, mais cuidados ela vai demandar. E se falarmos de civilizações de um passado extremamente distante, pode ser que só hajam vestígios dessas roupas ou nem isso; sendo assim, o estudo passa a ser através de pinturas, esculturas, afrescos, vitrais, etc, etc.
O Que é Recriação Histórica?
A Recriação é o ato de fazer uma peça o mais parecido com uma determinada época. A peça não precisa necessariamente ser cópia de algum modelo pré-existente (embora seja comum entre os recriadores essa atividade). O mais importante é que o traje seja feito com técnicas de modelagem, costura, acabamento e materiais, mais próximos possíveis de como era feito no período escolhido. Portanto, o recriador busca acurácia e faz diversos estudos de modelagem e costura para chegar ao resultado pretendido. Além da roupa, a recriação também se volta para a maquiagem, sapataria, penteados e acessórios.
O que São Fantasias?
As fantasias não têm o propósito de serem historicamente corretas. Elas são feitas na maioria das vezes para à atender uma demanda de consumidores que estão em busca de peças para serem usadas em bailes e/ou confraternizações entre amigos e familiares.
Outro ponto importante da fantasia, é que como o próprio nome sugere, ela não tem obrigação de ser o retratado fiel de algo existente ou que existiu, isso dá margem para que as pessoas possam criar suas próprias personagens, se fantasiar de objetos e coisas inanimadas, ou ainda, de seres místicos.
A fantasia possui um preço mais barato e não costuma ser feita seguindo estudos históricos, por isso, seu resultado é diferente de uma peça feita sob recriação.
Fantasias - Vilãs ou Não?
Muitos recriadores não gostam de fantasias, pois elas se pautam em uma visão estereotipada de um povo ou uma personalidade, e vende uma ideia inequívoca de como a moda de tal época seria. Mas o que precisamos pensar é: será que a X pessoa num bloquinho de rua com sua fantasia melindrosa, por exemplo, está em busca de fidelidade histórica? Será que não houve algo por trás que a levou acreditar que aquela fantasia era realmente a cara dos anos 20?
Muitos produtores de conteúdo, especialmente fora do país fazem vídeos de comparações entre fantasia x traje real, com a clara intenção de enaltecer a recriação em detrimento das fantasias. Obviamente, o trabalho do recriador deve ser aplaudido, mas não acredito que zombar de quem usa uma fantasia "errada", é o melhor caminho para a disseminação correta da História da Moda.
E De Quem É A Culpa?
Os esteriótipos impregnados em fantasias não são meramente culpa de quem as faz ou de quem as compra, pois essas construções estéticas, ainda que erradas, foram se tornando verdade com o passar dos séculos.
O audiovisual tem muita culpa nesse sentido, pois diversas novelas, filmes e séries, apresentam trajes históricos com erros, e como formadores de opinião em grande escala, terminam por passar uma mensagem não verdadeira sobre a moda de algumas eras. Isso obviamente não pode ser aplicado à todas as produções, e muito menos à equipe de figurinistas, porque muito desses profissionais trabalham com recursos limitados.
• A grande vilã é a falta de estudos em História da Moda. Precisamos redobrar os conteúdos sobre esse tema para que mais pessoas possam ter acesso a esse tipo de conhecimento em nosso país.
• Precisamos capacitar modelistas e costureiras para que consigam executar trajes históricos, e se sintam instigadas a aprenderem tais técnicas.
Dada a minha opinião, vamos às análises:
Fantasia de Homem Pré-histórico - A Mais Difícil de Ser Recriada
Estampa de onça e colar de ossos, você com certeza já deve ter visto algo assim. Produções como o desenho animado Os Flintstones (1960-1966), criaram uma imagem deturpada sobre o vestuário na pré-história. De fato, estudar a indumentária dessa época não é uma tarefa fácil. Apesar de evidências do uso de variados tipos de couro em vestes pré-históricas, há também estudos que sugerem que nossos ancestrais utilizaram vegetais para a fabricação de roupas.
Fantasias pré-históricas aparecem com muita pele à mostra, além disso, as modelagens são excessivamente modernas. Os colares com dentes de animais até fazem sentido e possuem vestígios, mas de resto, muita coisa se perde. De todas as épocas, essa é com certeza a mais difícil de representar com exatidão, e a que mais necessita ser pesquisada com calma.
Para ler sobre o vestuário na Pré-história clique aqui.
Fantasia da Grécia Antiga - Nem Só de Branco Viviam Os Gregos
Um dos clássicos de Halloween e Carnaval, a fantasia grega é bem diferente da realidade. Primeiramente se criou uma ideia errônea de que gregos só usavam a cor branca, isso foi tido como verdade por séculos. Parte dessa crença partiu das esculturas gregas, que são de coloração esbranquiçada, no entanto, pesquisas recentes demonstraram que essas estátuas originalmente eram muito coloridas. Parece que a descoberta veio tarde demais para desvincular o branco à Grécia.
Pinturas como Erato at Her Lyre (1895) de John William Godward e Penelope (1883) de Percy Thomas McQuoid, são exemplos de como as artes plásticas associaram cores claras à cultura grega.
Algumas fantasias gregas aparecem na altura dos joelhos ou um pouco acima, e isso é um erro bem grande, já que as roupas femininas na Grécia iam até os pés. Fendas estavam fora de cogitação, e cabelos soltos não eram tão populares entre as mulheres gregas como os coques.
Fantasia de Melindrosa dos Anos 20 - Excessos & Mais Excessos Sem Fim
Vamos dar um enorme salto temporal e falar sobre as fantasias de melindrosa. A Melindrosa, ou em inglês, Flapper Girl, foi o arquétipo de beleza nos anos 20. Contudo, sua representação é uma das que mais apresentam erros. A melindrosa passou a ser resumida em vestidos curtos com franjas nas barras, echarpe, piteira, colares de pérolas, cores escuras e pluma no cabelo.
O retrato é contudo muito estereotipado, porque nem todas as Melindrosas usavam vestidos extremamente curtos, normalmente eles tinham o comprimento até as canelas. Havia uma infinidade de acessórios muito além de pérolas e plumas.
Nas fotos promocionais do filme Quanto Mais Quente Melhor (1959) do diretor Billy Wilder, a atriz Marilyn Monroe foi clicada em um ensaio que reforça alguns esteriótipos da Moda dos anos 20.
Fantasia de Lampião e Maria Bonita - O Erro dos Erros
Um dos casais mais famosos da História do Brasil, Lampião e Maria Bonita representam o esplendor da moda do Cangaço e são figurinhas garantidas nos trajes de São João, entretanto, as fantasias de cangaceiros apresentam diversas incongruências, sendo a primeira delas a escassez dos adornos. Cangaceiros eram extremamente vaidosos e usavam muitos colares, anéis e pulseiras.
A roupa de Maria Bonita constantemente é sexualidade e não faz jus aos trajes das cangaceiras, que usavam as saias abaixo dos joelhos e normalmente com meias, afinal de contas, quem se arriscaria a andar na caatinga com as pernas de fora?
Fantasia de Carmen Miranda - Ela Não Era Só Bananas na Cabeça
Performática ao extremo, Carmen é uma das personalidades que têm o seu estilo servindo de inspiração para fantasias ao redor do mundo. A moda de Carmen Miranda todavia é muito mais complexa do que cachos de frutas na cabeça. Para ler mais sobre o estilo da estrela clique aqui.
Carmen foi limitada a um cesto de frutas em forma de turbante, e isso é bastante raso diante da riqueza de seus figurinos. Ela chegou a usar frutas na cabeça? Sim, mas muitos de seus turbantes não tinham absolutamente nada a ver com isso.
Ela usava muitos, (e quando eu digo muitos é muito mesmo) balangandãs, isto é, diversos colares e pulseiras, algo que passa despercebido nas fantasias inspiradas nela.
Fantasia dos Anos 60 - Meio Errada, Meio Certa
A fantasia dos anos 60 é uma das mais polêmicas no Brasil. Se você procurar para comprar, provavelmente se deparará com um vestido de cetim rodado e com estampa de bolinhas.
O estilo romântico pode soar estranho aos amantes da moda nessa década, já que o período é comumente lembrado por outras estéticas, tais como o mod britânico e o colorido groovy. O que precisamos nos lembrar é que vestidos rodados ainda eram tendência aqui no Brasil no início dos anos 60, e nesse período, a estampa de bolinhas foi uma febre. A música Biquíni de Bolinha Amarelinha, por exemplo, ganhou diversas regravações em nosso país na primeira metade da década de 1960 e ajudou a fortalecer o poá.
Fantasia dos Anos 70 - Mas Era Todo mundo Hippie?
E para finalizar, vamos falar sobre a fantasia da década de 1970. Quando se pensa em fantasias de Halloween para representar o período, se cai facilmente na estética hippie. Evidentemente, o movimento hippie foi muito importante para moldar o caráter da geração setentista, sobretudo os jovens; mas não podemos reduzir uma época tão rica e vasta à somente uma subcultura.
E as fantasias de hippie não colaboram muito: franjas demais, tie dye demais, óculos forçados, franjas nos sapatos, e eu já disse franjas? Pois é, tudo maximizado ao ponto de ser caricato.
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Texto escrito por Gabriela Lira.Caso use algum material como referência, por favor dê os créditos ao blog.
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