A Baiana Estilizada de Carmen Miranda e A Moda da Pequena Notável
Nascida em 9 de fevereiro de 1909, em Portugal, Maria do Carmo Miranda chegou ainda bebê na cidade do Rio de Janeiro. Embora sua nacionalidade fosse portuguesa, a cultura e vida de Carmen giravam em torno do Brasil, país que tanto amou e que considerava o seu país natal.
Não importa que Carmen não tenha nascido aqui, ela falava o nosso português, comia de nossas comidas, dançava as nossas músicas e se sentia extremamente ofendida quando algum crítico da época lembrava que ela não era brasileira por nascimento.
Com tantas faces a serem exploradas e objetos de pequisa, a moda e estilo de Carmen é um dos elementos de sua persona mais conhecidos e relembrados. Para celebrar o Carnaval em grande estilo, conheça um pouco mais do processo de estilização da indumentária de baiana por Carmen Miranda.
A origem das Baianas do Acarajé
Os registros mais antigos de vendedoras ambulantes no Brasil são datados do século 16. Nessa época, mulheres negras alforriadas e escravas, tinham acesso às ruas para fazerem suas vendas de doces, salgados e demais quitudes, entre eles o mais famoso: o acarajé.
O bolinho feito a partir de feijão fradinho, recheado com vatapá, camarão seco e pimenta, frito no azeite de dendê, era tradição entre os iorubás, e prontamente se tornou uma iguaria das ruas de Salvador.
Não podemos falar das baianas do tabuleiro ou baianas do acarajé sem mencionar suas ligações com o Candomblé. Todos as comidas preparadas eram consagradas aos orixás, e o próprio ofício de vendedora ambulante era uma maneira estratégica de fortalecer os laços entre os africanos e os seus descendentes no Brasil. Exemplo disso é que parte do dinheiro arrecadado pelas vendedoras era doado para a manutenção dos terreiros.
Atualmente o acarajé faz parte do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), uma autarquia federal responsável pela preservação dos bens culturais materiais e imateriais do Brasil.
Tal reivindicação foi feita pelas próprias baianas, que hoje são chefes de família e principais provedoras econômicas em seus núcleos familiares.
Além de serem simpáticas e atração turística garantida em Salvador, a moda das baianas não passa despercebida: vestes brancas, saias rodadas, pano da costa, turbantes e diversos colares com cores que representam as entidades religiosas de cada mulher, fazem parte da indumentária. No entanto, essa imagem de uma senhora pacata e com pouca pele à mostra, nem sempre foi assim.
A moda das baianas há séculos atrás era extremamente sensual e fruto da exploração do corpo das escravas.
Em sua tese intitulada Baianas do Acarajé - A uniformização do típico em um tradição culinária afro-brasileira, Gerlaine Martini nos diz o seguinte sobre as vestimentas das baianas no século 19:
''Há muitos relatos, no século XVIII e XIX, de mulheres nas ruas de Salvador e espanto quanto ao seu rico trajar. Um relato de 1718 do viajante francês Le Gentil de la Barbinais, conta dos famosos ornamentos de ouro e de rendas dessas mulheres.
A impressão que se tem é a de que todo o luxo e sensualidade em exagero, vetados às mulheres brancas de origem portuguesa, eram canalizados para o corpo daquelas que consideravam suas mucamas''.
A moda das baianas foi influenciada por elementos iorubanos, portugueses e muçulmanos, e podemos dizer que recebe constante atualizações e reinterpretações, uma delas é a estilização criada por Carmen Miranda, nos finais dos anos 30.
A Baiana de Carmen
Carmen surgiu pela primeira vez como baiana no filme Banana da Terra de 1939, com direção de Ruy Costa e produção de Wallace Downey.
Não sabemos muito acerca do filme, pois todas as cópias foram perdidas, e a única cena existente ainda é a de Carmen cantando a faixa 'O que É que a Baiana Tem?'', canção escrita especialmente para ela por Dorival Caymmi, que também a assessorou na produção do figurino.
No livro biográfico Carmen (2005) de Ruy Castro, ele nos dá uma panorama da mudança dos trajes de baiana durante o século 19:
''Carmen imaginava uma baiana tal qual a descrita por Caymmi, inspirada na roupa que, desde os primórdios, as negras e as mulatas da Bahia usavam para acompanhar procissões ou vender quitutes nas ruas. Muitas dessas mulheres tinham ido para o Rio no começo do século XIX.
Na viagem, a roupa se simplificara: conservaram-se os turbantes, as batas, as saias e as anáguas, mas os ornamentos, originalmente de ouro e prata, perderam em luxo e variedade.
Entre as artistas que estilizaram a indumentária antes de Carmen Miranda, podemos citar: Pepa Ruiz (1892), Ottilia Amorim (1926) e Aracy Cortes (1928).
As Plataformas
Com 1,52 metros de altura, as plataformas eram uma maneira de Carmen se sentir mais alta e se tornaram uma de suas marcas registradas. Ela própria foi diretamente a um sapateiro mostrar o que tinha em mente e casou espanto pela ousadia.
Na primeira imagem da foto acima, podemos vê-la ao lado de sua enorme coleção de plataformas.
Os Turbantes
Símbolos máximos de Carmen Miranda, ela mesma confeccionava vários de seus turbantes. A arte de fazer chapéus foi adquirida na adolescência, quando Carmen trabalhou em lojas especializadas no centro do Rio de Janeiro.
Uma releitura extremamente colorida, com peças modernas e que exalam o tempero latino e a essência da estética da pequena mais querida da Velha Hollywood.
A uniformização do típico em um tradição culinária afro-brasileira - Gerlaine Martini.
Não importa que Carmen não tenha nascido aqui, ela falava o nosso português, comia de nossas comidas, dançava as nossas músicas e se sentia extremamente ofendida quando algum crítico da época lembrava que ela não era brasileira por nascimento.
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Carmen Miranda, foto: reprodução. |
Com tantas faces a serem exploradas e objetos de pequisa, a moda e estilo de Carmen é um dos elementos de sua persona mais conhecidos e relembrados. Para celebrar o Carnaval em grande estilo, conheça um pouco mais do processo de estilização da indumentária de baiana por Carmen Miranda.
A origem das Baianas do Acarajé
Os registros mais antigos de vendedoras ambulantes no Brasil são datados do século 16. Nessa época, mulheres negras alforriadas e escravas, tinham acesso às ruas para fazerem suas vendas de doces, salgados e demais quitudes, entre eles o mais famoso: o acarajé.
O bolinho feito a partir de feijão fradinho, recheado com vatapá, camarão seco e pimenta, frito no azeite de dendê, era tradição entre os iorubás, e prontamente se tornou uma iguaria das ruas de Salvador.
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Vendedora no Rio de Janeiro em 1894, por: Marc Ferrez. |
Não podemos falar das baianas do tabuleiro ou baianas do acarajé sem mencionar suas ligações com o Candomblé. Todos as comidas preparadas eram consagradas aos orixás, e o próprio ofício de vendedora ambulante era uma maneira estratégica de fortalecer os laços entre os africanos e os seus descendentes no Brasil. Exemplo disso é que parte do dinheiro arrecadado pelas vendedoras era doado para a manutenção dos terreiros.
Atualmente o acarajé faz parte do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), uma autarquia federal responsável pela preservação dos bens culturais materiais e imateriais do Brasil.
Tal reivindicação foi feita pelas próprias baianas, que hoje são chefes de família e principais provedoras econômicas em seus núcleos familiares.
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Baiana na década de 20. |
Além de serem simpáticas e atração turística garantida em Salvador, a moda das baianas não passa despercebida: vestes brancas, saias rodadas, pano da costa, turbantes e diversos colares com cores que representam as entidades religiosas de cada mulher, fazem parte da indumentária. No entanto, essa imagem de uma senhora pacata e com pouca pele à mostra, nem sempre foi assim.
A moda das baianas há séculos atrás era extremamente sensual e fruto da exploração do corpo das escravas.
Em sua tese intitulada Baianas do Acarajé - A uniformização do típico em um tradição culinária afro-brasileira, Gerlaine Martini nos diz o seguinte sobre as vestimentas das baianas no século 19:
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Fotografias do século 19 por Marc Ferrez. |
''Há muitos relatos, no século XVIII e XIX, de mulheres nas ruas de Salvador e espanto quanto ao seu rico trajar. Um relato de 1718 do viajante francês Le Gentil de la Barbinais, conta dos famosos ornamentos de ouro e de rendas dessas mulheres.
A impressão que se tem é a de que todo o luxo e sensualidade em exagero, vetados às mulheres brancas de origem portuguesa, eram canalizados para o corpo daquelas que consideravam suas mucamas''.
A moda das baianas foi influenciada por elementos iorubanos, portugueses e muçulmanos, e podemos dizer que recebe constante atualizações e reinterpretações, uma delas é a estilização criada por Carmen Miranda, nos finais dos anos 30.
A Baiana de Carmen
Carmen surgiu pela primeira vez como baiana no filme Banana da Terra de 1939, com direção de Ruy Costa e produção de Wallace Downey.
Não sabemos muito acerca do filme, pois todas as cópias foram perdidas, e a única cena existente ainda é a de Carmen cantando a faixa 'O que É que a Baiana Tem?'', canção escrita especialmente para ela por Dorival Caymmi, que também a assessorou na produção do figurino.
No livro biográfico Carmen (2005) de Ruy Castro, ele nos dá uma panorama da mudança dos trajes de baiana durante o século 19:
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Carmen Miranda, foto: reprodução. |
''Carmen imaginava uma baiana tal qual a descrita por Caymmi, inspirada na roupa que, desde os primórdios, as negras e as mulatas da Bahia usavam para acompanhar procissões ou vender quitutes nas ruas. Muitas dessas mulheres tinham ido para o Rio no começo do século XIX.
Na viagem, a roupa se simplificara: conservaram-se os turbantes, as batas, as saias e as anáguas, mas os ornamentos, originalmente de ouro e prata, perderam em luxo e variedade.
Com a vinda da Corte portuguesa, em 1808, a chegada da Missão Francesa, em 1816, e a invasão da cidade pelas costureiras francesas, as baianas do Rio incrementaram suas roupas com rendas e babados, mas ainda longe do esplendor original.
Mesmo assim, era bonito — e uma postura municipal carioca do próprio século XIX exigia que elas só podiam trabalhar nas ruas como quituteiras se mantivessem suas roupas de baiana absolutamente alvas.
Durante os anos 20 as baianas formaram uma ala exclusiva nos desfiles de escolas de samba, que passou a ser obrigatória desde 1933. Não muito depois, se tornou uma fantasia comum no Carnaval, porém, por ser de fácil confecção e usar materiais baratos como a chita, por exemplo, as fantasias de baiana não eram bem recebidas nos bailes de gala de Carnaval, e assim, atrizes e cantoras que tiveram de interpretar baianas no teatro, recorriam à estilização para dar mais glamour ao visual.
Mesmo assim, era bonito — e uma postura municipal carioca do próprio século XIX exigia que elas só podiam trabalhar nas ruas como quituteiras se mantivessem suas roupas de baiana absolutamente alvas.
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Carmen Miranda, foto: reprodução. |
Durante os anos 20 as baianas formaram uma ala exclusiva nos desfiles de escolas de samba, que passou a ser obrigatória desde 1933. Não muito depois, se tornou uma fantasia comum no Carnaval, porém, por ser de fácil confecção e usar materiais baratos como a chita, por exemplo, as fantasias de baiana não eram bem recebidas nos bailes de gala de Carnaval, e assim, atrizes e cantoras que tiveram de interpretar baianas no teatro, recorriam à estilização para dar mais glamour ao visual.
Depois de Banana da Terra (1939), Carmen adotou a vestimenta de baiana em suas apresentações. A fantasia se tornou símbolo do Carnaval, afinal de contas, a Pequena Notável já era um ícone de estilo, e tudo o que ela usava logo caía no gosto popular — e até mesmo no da elite carioca.
As Plataformas
Com 1,52 metros de altura, as plataformas eram uma maneira de Carmen se sentir mais alta e se tornaram uma de suas marcas registradas. Ela própria foi diretamente a um sapateiro mostrar o que tinha em mente e casou espanto pela ousadia.
O modelo que Carmen idealizava consistia em um tamanco muito mais alto do que se usava na época. O sapateiro não se negou a fazê-lo, mas achou tudo aquilo uma loucura, sem imaginar, contudo, que, anos mais tarde, as ruas dos Estados Unidos seriam invadidas pelas plataformas inspiradas em Carmen Miranda.
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Carmen Miranda, foto: reprodução. |
Os Turbantes
Símbolos máximos de Carmen Miranda, ela mesma confeccionava vários de seus turbantes. A arte de fazer chapéus foi adquirida na adolescência, quando Carmen trabalhou em lojas especializadas no centro do Rio de Janeiro.
Inegavelmente as frutas se tornaram uma lembrança de Carmen, fato que a fez ficar conhecida como The Lady in The Tutti-Frutti Hat, referência à performance com várias bananas na cabeça no filme de 1943 Entre a Loura a Morena, todavia, em seus turbantes, outros elementos como: borboletas, bolas cheias de brilhos e diversos balangandãs também apareciam.
''Seu jeito para desenhar ou dar um toque diferente em qualquer tipo de adereço foi percebido fora da loja e passou a render-lhe uns trocados extras, na forma de chapéus para as amigas ou para as mães delas. E, nos fins de semana, Carmen ainda encontrava tempo para costurar seus próprios vestidos.
Resolvia de manhã que, à noite, sairia de vestido novo, inspirado em algum modelo que vira no cinema ou no Jornal das Moças — cortava o tecido, levava-o à Singer e, no fim da tarde, estava pronto. Já tinha, então, um considerável guarda-roupa, que praticamente só lhe custara a matéria-prima'''.
Diversas marcas e revistas conceituadas já fizeram editoriais ou coleções inspiradas na "excentricidade" da moda de Carmen, entre os trabalhos recentes voltados para a moda de Miranda podemos citar o editorial de fevereiro de 2013 da Vogue Brasil fotografado no Pelourinho.
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Carmen Miranda, foto: reprodução. |
''Seu jeito para desenhar ou dar um toque diferente em qualquer tipo de adereço foi percebido fora da loja e passou a render-lhe uns trocados extras, na forma de chapéus para as amigas ou para as mães delas. E, nos fins de semana, Carmen ainda encontrava tempo para costurar seus próprios vestidos.
Resolvia de manhã que, à noite, sairia de vestido novo, inspirado em algum modelo que vira no cinema ou no Jornal das Moças — cortava o tecido, levava-o à Singer e, no fim da tarde, estava pronto. Já tinha, então, um considerável guarda-roupa, que praticamente só lhe custara a matéria-prima'''.
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Editorial da Vogue Brasil (02/2013). |
Uma releitura extremamente colorida, com peças modernas e que exalam o tempero latino e a essência da estética da pequena mais querida da Velha Hollywood.
Fontes:
Carmen - Uma Biografia (2005) - Ruy Castro.
A uniformização do típico em um tradição culinária afro-brasileira - Gerlaine Martini.
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Um comentário:
E não é a toa que essa baiana estilizada está sempre evidência. Amei seu post.
Bom carnaval.
Big Beijos,
LULU ON THE SKY
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